(re)criação do mundo

No ângulo da janela
no céu o azul da chuva
as nuvens se moveram
o chão de pedra
molhado…
No ângulo da janela
os céus pingados
eu perguntei outra vez
se o céu daqui é o mesmo céu de lá…

Talvez o mundo tenha sido criado
quando de corpos molhados
e pés descalços
num salto mergulho
alguém estendeu os braços
e de mão puxando mão
foram inventados colos
um ninho
abraço

Chove lá fora
lá fora não há

Chove
gota a gota
ouço as vozes do céu de lá
Gota a gota
chegadas
nadadeiras
passos
asas
patas
o mundo continua sendo criado

Com os olhos molhados
olhando pro céu
há gente criadora do mundo
soprando luz 
no silêncio de luzes apagadas

O mundo foi criado
quando alguém estendeu a mão
no dia em que não houve eu
Os dias da criação do mundo
ecoam as histórias não escritas - 
são de um único nós juntando forças
sendo arca
navegando a contramão
de córregos 
uma vez calçadas

Na criação do mundo
não se descrevem fronteiras
poréns 
bandeiras
limites
nem linhas de chegada
É erguer-se
um braço puxando um mundo
e o mundo sendo recriado
em sete instantes
nos olhos fechados
de quem olhando pro céu
ressuscita uma réstia de sol…

Na criação do mundo
a folha carregada pela formiga
ser talvez tão pouco
e ser tanto
e tudo
quando num dia de chuva
o mundo nasce parido
num choro
que grita nós
Refugiado e refúgio

Criador do mundo
criação do mundo
nós
que se reconstrói
cria de nós.


07.05.24
Sobre as chuvas e enchentes no RS


Cada um ajuda como (poema que) pode e com aquilo que tem... Foi dessa maneira que conversando com meu professor de filosofia, o Lúcio, surgiu esse poema. Certamente é preciso de muita muita ajuda material, mas será preciso também estender a mão e alimentar a alma, romper abismos inventando luzes, com solidariedade e gestos de amor. Ajude, estenda a mão, com o melhor que tem, com aquilo que pode. Outra vez, é nosso trabalho reerguer mundos, almas, sonhos. Façamos o nosso melhor.