Confissão

Para Peilin


Já passaram das 10 da noite, ou das 9, não sei exatamente. Há qualquer coisa denominada fuso horário que na linha redonda do tempo que gira, anuncia que estou a uma hora de lá. Mas o de lá não são as horas, nem estes relógios que se empilham no passar de um tempo que cambaleia e dança, pulula fazendo graça, salta em gargalhada. O tempo que não tem nome do tempo poderia ser esse traço de vida enquanto ela pega a taça e toma um gole e eu, depois de um tanto disso que não é tempo, encontro uma palavra. Confissão. Mas eu não estou bem certa que a confissão que me e nos confessa inconfessáveis, entregando-nos uma à outra, talvez possa estar na palavra encontrada. Talvez, num rasgo do tempo, esse estar que está com um todo de palavras além delas, tu e eu, sendo, tornando-nos, sendo feitas da matéria refeita das palavras. Nós as refazemos. 
Nossa confissão é ser.
Esquecidas do tempo
Esquecidas no tempo
Rindo no tempo
Redescobrindo a invenção das palavras que nos inventam entre teima, coragem, confissão. De todos os caminhos seguros, os desenvolvimentos previsíveis, teus passos profundos num poema escrito me perseguem e tuas mãos me gestam no ar de gestos que me desenham. Abres a janela e sorri, apontando pra esse lugar sem rumo e sem destino, o qual me veste, me vasta, me devasta e me refaz. Esse lugar que é tu que o denominas a mim, as tuas ofertas oferecidas pela vida em existência, um cair no colo das mãos, uma possibilidade não vulgar. O acontecimento em multiplicação de universos versos.
Eu que já estava morta, abro a janela depois de uma noite bem dormida. Corto uma fatia de pão e o mordo com o gosto de quem foi salva, confessada nessa confissão de palavras que não se descrevem. Confessada ao inconfessável.
Ninguém sabe de nós. No desenrolar desse tempo enrolado reconhecido numa matéria material, não nossa, ninguém saberá de nós, mas nós não entoamos nossas faces a ser sabidas.
Na dobra do tempo espaço de contínuos fluxos, refluxos, fusos caídos por terra furo negro infinito, nada saberá de nós e no entanto brincando de tempo antecipados e perdidos, nós, inconfessadas, encontradas. Inexistimos. 

04.07.24